Oportunidade x Representatividade: Será mesmo que o mundo da moda tem espaço para todos?

A moda começou a mudar muito lentamente, muito lentamente mesmo. Para a estilista Juliana Santos, em uma escala de 1 a 10, o avanço está no nível 2, por incrível que pareça. Porque ainda é comum em grandes desfiles, nas maiores semanas de moda, principalmente internacionais, que querendo ou não é o que dita a moda hoje em dia, somente corpos padrões como objeto.

“É como se a modelo realmente fosse um cabide, e o cabide é o corpo padrão. Então a gente ainda tem muito caminho para trilhar pela frente, para que os estilistas e a moda entendam que a gente tem que fazer roupa para corpos reais”, afirma Juliana, que é estilista de noivas, e faz roupas sob medida, mas antes disso, trabalhava em lugares que faziam roupa à pronta entrega.

“Em todas essas confecções que eu trabalhei, sempre, ou era o tamanho considerado o tamanho único, que na verdade não serve para ninguém, só serve para pessoas padrões, magras. Quando alguém entrava na loja e a pessoa era um pouquinho acima do peso, esse tamanho único já não servia. Ou, quando existia um padrão de tamanho, também não eram abraçados todos os biotipos corporais. No máximo, ia até um 42, que eu nem considero um tamanho grande”, conta ela.

Com isso, Juliana começou a reparar a dificuldade das pessoas, mesmo pessoas que nem eram consideradas gordas na sociedade, de encontrar roupas que servissem. “Por isso que, desde o começo, mesmo antes de eu fazer vestido de noiva, eu fazia vestido de roupa casual, eu sempre priorizei trabalhar sob medida, porque assim a gente iria ter uma roupa feita para aquele corpo, e não um corpo feito para aquela roupa”, completa ela, que está sempre reforçando a importância da representatividade no mundo da moda.

“Eu também sou uma pessoa fora do padrão. E, não vejo, por exemplo, nas publicidades. Já fiz um projeto para falar sobre isso, onde eu não consigo ver em nenhuma publicidade de moda, principalmente, de produtos de consumo, capas de revistas de moda, ensaios fotográficos, pessoas fora do padrão. Pessoas com deficiência, então, é quase que impossível. Você vai ver no máximo ali uma influenciadora, que nem é a Pequena Lo, que às vezes está numa capa. E ainda assim, eu considero que é muito mais uma cota PCD, onde você coloca uma pessoa só em destaque e o restante você exclui”.

Para a estilista, não adianta querer colocar uma pessoa e falar que é inclusivo, porque isso não é ser inclusivo, isso é cota. E a única coisa que eles pedem é inclusão em todos os meios. Então, ao falar do corpo fora do padrão não ser incluído na moda, é em tudo, é no catálogo de moda, desde a loja que produz, até revistas de moda, que em todos os meses teria oportunidade, dentro da revista, onde milhares de pessoas consomem aquilo ali, e que dita moda, colocar pessoas com corpos diversos.

 

“A gente está em 2023 e continuamos vendo o mesmo perfil de corpos que a moda mostra há 10, 15, 20 anos. Eu acho que falta, realmente, os principais meios de comunicação abrirem espaço para que essas pessoas tenham visibilidade. As agências de modelo e influenciadores também trazerem e mostrarem corpos fora do padrão. Porque, na verdade, tudo se dá a partir da educação. Se somos educados e acostumados a naturalizar as diferenças, pronto, todo mundo vai sair ganhando”, afirma ela.

Para Juliana, porém, infelizmente a indústria da beleza e a indústria da moda lucram muito mais com as inseguranças, e a grande maioria do mundo não se encaixa nesses padrões de beleza que a indústria da moda colocou como certo. “E se a gente passar a normalizar questões como deficiências, sobrepeso e outras, não vamos mais estar excluindo e sim incluindo a grande maioria e se todos nós nos sentirmos incluídos, a indústria da moda perde”, acrescenta a estilista, que aproveita para completar que é mais fácil vender um remédio para emagrecer ou um tratamento estético do que normalizar aquilo que causa insegurança na pessoa.

Por isso é preciso abraçar a causa, estudar uma forma de fazer a roupa e a criação caberem em todos os corpos. “Então, eu acho que o primeiro passo é querer, porque, a partir do momento que você quiser e você transformar isso como uma causa da sua empresa, você vai dar um jeito para que isso aconteça. E é claro que esse processo é um processo difícil, que dá trabalho, mas é algo que tem que começar a ser feito por várias marcas, assim como já está sendo feito”, diz Juliana.

Ela usa como exemplo o último São Paulo Fashion Week, onde algumas marcas trouxeram modelos e corpos reais para a passarela, inclusive ela mesma. “Foi importante mostrar que o corpo com deficiência também é um corpo belo e que pode ser visto de uma forma bela e normal pela sociedade numa passarela, que a roupa não deixaria de ficar melhor ou pior só por estar num corpo com deficiência”, finaliza.

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