Julia Bacellar fala sobre objetificação da mulher no meio musical

Julia Bacellar é uma DJ e cantora, descoberta por Rennan da Penha, que canta desde os seis anos de idade. Ela começou no coral da Igreja, bem novinha e hoje até mesmo produz um programa na Rádio FM O Dia, chamado “Pra todas elas”.

Grande fã de Anitta e Beyoncé, Julia teve aulas de canto e aprendeu a tocar instrumentos, como cavaquinho e percussão, durante o ensino médio, no Colégio Pedro II. Mas foi apenas durante a faculdade que ela passou a atuar como DJ.

Influenciada pelos amigos que trabalhavam na área, a cantora e produtora começou a tocar em festas da própria faculdade. Eles ensinaram Julia a mixar de tudo um pouco, principalmente funks. E foi quando ela não parou mais.

Mas, infelizmente, nem tudo foi leve e tranquilo. A DJ precisou lidar com o machismo muito forte nesse cenário, com objetificação por contratantes e em festas, e também tendo que ouvir muitos “nãos”, antes de tudo dar certo.

 

Foto: Anna Miranda

A Julia conversou com a Danz sobre carreira, sexualização da mulher e muito mais! Confere só:

Danz: Quando decidiu que queria trabalhar com música?
Julia: Eu costumo dizer que, na verdade, a música que me escolheu. Quando eu vi, eu já tinha várias experiências musicais na minha vida, e ela simplesmente retornou para mim. Mas eu só decidi trabalhar mesmo com música quando eu estava na minha primeira faculdade (de Engenharia Florestal), na UFRRJ, onde comecei a tocar com DJ nas chopadas.

Danz: Quais os prós e contras desse trabalho?
Julia: Os prós, eu acredito que você tenha que amar muito para fazer. Eu amo o que eu faço. Você conhece pessoas de vários lugares, recebe um carinho enorme de pessoas que nem imagina que te conheçam. Tem fãs, fã clube, é visto na rua e recebe um carinho surreal. Para mim isso é incrível, eu amo de verdade.
E os contras são de fato você ter que abdicar de coisas para viver isso, datas importantes, aniversários de pessoas da família, natal, ano novo, para estar trabalhando. Acho que eu escolhi isso, entendo, mas sinto falta.

Danz: Você já sofreu algum tipo de preconceito por ser mulher e cantar funk?
Julia: Sim, já sofri preconceito por ser mulher e cantar funk. Desde o início até hoje, mesmo sendo um pouco menos, ainda sofro. Acredito que não fique restrito ao funk, acho que qualquer mulher que tenta entrar em algum meio que é predominantemente masculino sempre vai sofrer machismo, seja no pagode, no rap… ainda tem muito preconceito.

Danz: Os corpos femininos sempre foram sexualizados no meio musical (e no geral também), mas você acha que melhorou de uns tempos pra cá ou nada mudou?
Julia: Acho que mudou sim, mas muito por conta da pressão das mulheres mesmo. Acho que também cabe a nós mudarmos isso e fazer com que os homens percebam que o corpo é nosso, que roupa não é convite, é o óbvio, né? Mas fazer eles entenderem que a gente pode fazer o que quiser, que aquilo é uma parte da gente e que estamos ali fazendo nosso trabalho. Que estarmos vestidas da maneira que quisermos não dá direito de ninguém dar menos credibilidade e respeito por isso.

Danz: Já ouviu algum tipo de comentário sobre seu corpo? Como reagiu? E como faz para filtrar essas coisas?
Julia: Já ouvi sim! Antigamente eu me calava, ficava sem reação porque a gente entrega muito mais que o corpo. Se eu ‘tô no show ali, a gente se dedica para cantar, tocar e dançar… E receber apenas comentários sobre o meu corpo, eu ficava meio que sem reação. Eu pensava ‘Cara, fiz um show maneiro e a pessoa só tem comentário sobre meu corpo?’. Mas hoje em dia eu respondo a altura, talvez não seja a melhor reação, mas se a pessoa acha que tem a liberdade de falar sobre o meu corpo, eu vou e respondo sobre a altura sobre o corpo da pessoa que falou sobre mim. Para ela de fato perceber e ficar desconfortável com a minha resposta, e entender que é muito cruel alguém falar sobre o corpo que não é o seu. Ninguém tem esse direito. Sou bem reativa hoje em dia, mas consigo separar se alguém elogia, fala algo positivo, para não soar como arrogância.

Danz: O que acha que é preciso para quebrar esse estereótipo e que essa sexualização deixe de acontecer?
Julia: Eu acho que ainda é um desafio muito grande, apesar de ter mudado algumas coisas, quebrar essa objetificação das mulheres. Mas o importante é que qualquer pessoa, mulher ou homem, perceba que isso está acontecendo e que as pessoas envolvidas sejam alertadas, ainda que num tom educativo. Por mais que a internet esteja aí e todo mundo possa buscar aprender, mas se você está nesse meio e aconteceu isso, acho que a melhor opção ainda é informar, educar, falar: ‘Olha, não é por aí, mulher é mais do que isso, a gente não está aqui para servir homem’ e buscar conhecimento sempre é a melhor opção.

Danz: Você acha que tem diferença entre os estilos musicais ou é na música em geral?
Julia: Olha eu acho que tem pesos diferentes, mas o preconceito está em todas. Porém acredito que pelo funk ser um estilo periférico, ter nascido da favela, eu acho que tem um peso maior a mulher que canta funk, ainda não somos vistas com bons olhos, com o glamour de outros gêneros. Mas acredito que na música em geral, se você é mulher, você vai saber que a gente precisa provar duas vezes que você merece estar ali naquele ambiente, naquele local. Se um homem canta o mesmo trecho que uma mulher, com certeza vão levar para um outro lado a mulher cantando.

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